RETRATO FALADO DE IAPERI ARAUJO
*FRANKLIN JORGE
Medico obstetra e professor aposentado da UFRN, membro da
Academia Norte-rio-grandense de Letras e do Conselho de Cultura, Iaperi é
artistas plástico e escritor de grande talento, tendo criado uma linguagem
estética própria sintetizada de seu grande conhecimento da Cultura Popular. E
colaborador de Navegos e dos projetos de seu Fundador, todos voltados para a
valorização da Cultura Potiguar.
leitor@navegos.com.br
Quando nasceu?
Nasci em 21 de
julho de 1946.
Onde?
Em São Vicente,
então município de Florânia, vez que somente em 1953 foi elevado a município.
Como se cham seus
pais?
Joaquim Araújo
Filho e Milka Soares de Araújo
O que herdou de seu
pai?
Herdei do meu pai o
amor à cultura popular, aos saberes e fazeres do povo. Eu era muito curioso e
conversava com ele toda a tarde na área de nossa casa da rua Açu, perguntando
sobre coisas do sertão, as formas de plantio, os sinais dos tempos, a cultura
do povo. Ele sempre nos ensinou que por mais humildes que fossem os brincantes
a gente deveria sempre respeitá-los. Por isso quando cantadores de feira,
palhaços de circos, trapezistas e bailarinas, ceguinhos que entoavam canções
nas feiras, ciganos com seus rituais se apresentavam em SV, a gente era
elogiado pois os respeitava, quando a meninada do lugar levava na troça. Meu
pai me ensinou principalmente o valor do trabalho e a honestidade na vida.
E de sua mãe?
Minha mãe, apesar
de ter nascido e vivido até os 20 anos em Natal, conhecia tudo da vida
seridoense. a medicina rústica, os hábitos tradicionais, as comidas seridoenses
que ela sabia fazer com esmero e perfeição. E sempre curioso ficava junto e
perguntando até ela perder a paciência e expulsar a gente da cozinha. Era uma
disciplinadora. Cuidar de 12 filhos, educando-os (ela era professora),
inclusive a chamada educação doméstica (banho, cuidado com os cabelos, lavar as
mãos para refeições, esperar meu pai servir-se primeiro, andar calçado),as
lições da escola e o direito a escolher que profissão queria ter. Nunca influenciou
nossa vocação, nem muito menos criou obstáculo para ser o que quiséssemos ser.
Queria apenas que todos estudassem e obtivessem pelo seu esforço uma profissão
digna. Incrível como ela tinha uma profunda sabedoria das coisas do sertão. Eu
a chamava minha enciclopédia particular. A genealogia, os costumes, o
vestuário, as festas. Tudo sabia e quando estava de bem, tinha paciência para
explicar. Desde receitas de bolo, até fabricar produtos domésticos. Claro que
essas coisas mais ligadas aos fazeres “das mulheres” ela reclamava nossa
curiosidade, mas ensinava.
Quem e vc?
Já disse uma vez
que sou um menino de São Vicente que sempre quis ser médico apesar de na minha
infância nunca ter visto um, nem ouvido falar. Mesmo assim fui o púnico dos 12
filhos a nascer pelas mãos de um médico, Doutor Ramalho, pai da
ex-primeira-dama dona Aída Cortez, que ocasionalmente estava alí quando nasci.
Não haviam complicações anunciadas para chamar um médico. Todos os 7 antes de
mim havia nascido por parteira. Dr. Ramalho foi meu padrinho de batismo com sua
esposa dona Odete como madrinha. Depois, quando tinha uns 9 anos cai de um
coqueiro com trauma da coluna e foram buscar dr. Mariano Coelho em Currais
Novos. Por conta dessa predestinação, num sonho, meio sonho, meio acordado, no
meio da noite vi um anjo de luz, que me disse que meu lema era “Não escolhi,fui
escolhido” que padre Nunes traduziu para mim: “Non elegi, electus fuit” e que
transformei no meu ex-libris. Guardo esse menino de São Vicente nas minhas
memórias, no rescaldo de minhas vivencias e tento ser como ele, um homem que
busca entender os saberes e fazeres do povo para guardar minhas raízes
culturais e enfatizá-las.
De-me fatos para
esclarecimento de heranças?
Os fatos são esses.
A vivencia no sertão do Seridó, com um pai que era uma figura paterna, sem
grande envolvimento na nossa educação, mas com uma forte vigilancia nos
caminhos que a gente trilhava. Do quinto filho em diante (eu fui o 8º)
não mais castigou os filhos. Deixava esse “serviço pesado” para nossa mãe. É
que no primogênito, foi castigá-lo com o cinturão e pegou o cinto pela ponta e
ao bater em Iaponan, a fivela do cinto bateu em seu supercilio, fazendo um
pequeno corte que sangrou. Pai jogou o cinto fora e disse que nunca mais
tiraria sangue de um filho. Nós os seguintes da fila, aproveitamos a anistia e
“pintávamos o sete” com seu beneplácito. Essa herança recebeu reforços das
conversas de comadre de minha mãe, que a gente escutava escondido e pelas
estórias de Trancoso na calçada de Sinhá Joana, uma espécie de Scherazade
sertaneja que nas nossas férias e por 30 noites, contava maravilhosas estórias
de príncipes e princesas, animais fantásticos e bichos fabulosos, enchendo
nossa mente com o armorial sertanejo, sempre terminando com um “entrou pela perna
do pinto, saiu pela perna do pato…”
E sua infância?
A infância em São
Vicente e Currais Novos, depois a adolescência em Natal foram muito ricas em
conhecimentos, em brincadeiras de jogar bola de meia velha, brincar de índio
com varas de cercado de galinhas como flechas, ter um curral no quintal de casa
com bois de ossos, para brincar permanentemente de fazendeiro, brincar de
pastoril, ser anjo na coroação de Maria na igreja de São Vicente que meu pai
construiu, ser pajem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima em Currais
Novos, com roupas à maneira da guarda suíça do Vaticano, encenar peças de
teatro que a gente inventava os textos, roubar mangas e frutas do quintal de
Dr. Atila na rua Jundiaí ou no de Edgar Barbosa na rua Prudente de
Morais, assistir e aplaudir os brincantes se apresentando no cruzamento da
Ulisses Caldas com a avenida Rio Branco no tempo de Djalma Maranhão e ficar sem
folego e extasiado, vendo a nau Catarine, descendo a Rio Branco, navegando num
mar de gente. “Ó tão linda”.
Quando deixou sua
terra?
Nunca deixei minha
terra. Ela está sempre dentro de mim, especialmente as estórias de Sinhá Joana,
a ingenuidade de Maria do Santíssimo, trancada na camarinha com um candeeiro a
querosene a iluminar suas pinturas que ela criava contando as estórias de cada
um. Ouvindo estórias de vaqueiros e lobisomens. Aos 5/6 anos mudamos para
Currais Novos e aos 10 para Natal. Meu pai não se desligou do sertão. Lá
tínhamos a casa onde nasci e os sítios de herança feudal. Ainda temos. Papai
que morreu jovem aos 62 anos ia semanalmente a São Vicente cuidar dos seus
negócios. Trazia a feiras “grosseira”. Sacos de 60 quilos de arroz natural,
feijão, farinha, açúcar bruto e carne de sol. Dos sítios trazia os cajás, os
limões, os cocos secos, a goma, algum queijo. Da granja em Natal, as frutas.
Tudo isso permanece vivo em minha memória e na minha vida.
Que coisas tem
feito?
Um pouco de tudo.
isso é o que a psiquiatria chama de hiperatividade. Pinto, escrevo e ainda
exerço a Medicina. Fui durante 42 anos de atividade como Obstetra, um
profissional respeitado no Brasil. Por ser Presidente da Sociedade de
Especialidade no Estado e da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia,
participei como palestrante em mais de 300 Congressos e Jornadas, como convidado.
Fiz a conferencia de abertura de alguns, o que é uma das maiores homenagens que
um médico pode receber. Não é prá todo mundo. Fui membro do advisor Comitee do
Congresso Mundial de Ginecologia/Obstetrícia no Rio de Janeiro. Deixei tudo por
uma decepção com a especialidade. Hoje sou apenas um médico do Trabalho com
Registro de Especialidade no Conselho Regional de Medicina. Os milhares de
partos naturais, a luta pela humanização do parto que me colocou como
contemporâneo de Leboyer com seu “Nascer sorrindo”, pois há registro que em
1974 os partos naturais que fazia obedeciam a cuidados que depois Leboyer
divulgou para o mundo. Fiz o roteiro de um documentário sobre a presença
de Lampião no Estado, dirigido por Silvio Coutinho, exibido no Cine Sol da
Prefeitura de Natal. Registrei na Biblioteca Nacional, devidamente autorizado
pelo autor o roteiro de ALVOROÇO, baseado num romance de Racine Santos
que deverá ser rodado em Natal no próximo ano com direção de José Joffily, além
de outros 10 roteiros, incluindo um sobre o dia em Tyrone Power esteve em Natal
baseado num conto de Geraldo Edson e outro BOA MARIA BOA que minha empresária
Rossana Ghessa está doida para estrelar. Mas… seja o que o tempo e a
criatividade me concederem, enquanto dr. Alzheimer não chegar. Amém.
Nenhum comentário:
Postar um comentário