sexta-feira, 26 de março de 2021

IAPERI SOARES DE ARAÚJO



RETRATO FALADO DE IAPERI ARAUJO

 

*FRANKLIN JORGE

Medico obstetra e professor aposentado da UFRN, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras e do Conselho de Cultura, Iaperi é artistas plástico e escritor de grande talento, tendo criado uma linguagem estética própria sintetizada de seu grande conhecimento da Cultura Popular. E colaborador de Navegos e dos projetos de seu Fundador, todos voltados para a valorização da Cultura Potiguar.

leitor@navegos.com.br

Quando nasceu?

Nasci em 21 de julho de 1946.

Onde?

Em São Vicente, então município de Florânia, vez que somente em 1953 foi elevado a município.

Como se cham seus pais?

Joaquim Araújo Filho e Milka Soares de Araújo

O que herdou de seu pai?

Herdei do meu pai o amor à cultura popular, aos saberes e fazeres do povo. Eu era muito curioso e conversava com ele toda a tarde na área de nossa casa da rua Açu, perguntando sobre coisas do sertão, as formas de plantio, os sinais dos tempos, a cultura do povo. Ele sempre nos ensinou que por mais humildes que fossem os brincantes a gente deveria sempre respeitá-los. Por isso quando cantadores de feira, palhaços de circos, trapezistas e bailarinas, ceguinhos que entoavam canções nas feiras, ciganos com seus rituais se apresentavam em SV, a gente era elogiado pois os respeitava, quando a meninada do lugar levava na troça. Meu pai me ensinou principalmente o valor do trabalho e a honestidade na vida.

E de sua mãe?

Minha mãe, apesar de ter nascido e vivido até os 20 anos em Natal, conhecia tudo da vida seridoense. a medicina rústica, os hábitos tradicionais, as comidas seridoenses que ela sabia fazer com esmero e perfeição. E sempre curioso ficava junto e perguntando até ela perder a paciência e expulsar a gente da cozinha. Era uma disciplinadora. Cuidar de 12 filhos, educando-os (ela era professora), inclusive a chamada educação doméstica (banho, cuidado com os cabelos, lavar as mãos para refeições, esperar meu pai servir-se primeiro, andar calçado),as lições da escola e o direito a escolher que profissão queria ter. Nunca influenciou nossa vocação, nem muito menos criou obstáculo para ser o que quiséssemos ser. Queria apenas que todos estudassem e obtivessem pelo seu esforço uma profissão digna. Incrível como ela tinha uma profunda sabedoria das coisas do sertão. Eu a chamava minha enciclopédia particular. A genealogia, os costumes, o vestuário, as festas. Tudo sabia e quando estava de bem, tinha paciência para explicar. Desde receitas de bolo, até fabricar produtos domésticos. Claro que essas coisas mais ligadas aos fazeres “das mulheres” ela reclamava nossa curiosidade, mas ensinava.

Quem e vc?

Já disse uma vez que sou um menino de São Vicente que sempre quis ser médico apesar de na minha infância nunca ter visto um, nem ouvido falar. Mesmo assim fui o púnico dos 12 filhos a nascer pelas mãos de um médico, Doutor Ramalho, pai da ex-primeira-dama dona Aída Cortez, que ocasionalmente estava alí quando nasci. Não haviam complicações anunciadas para chamar um médico. Todos os 7 antes de mim havia nascido por parteira. Dr. Ramalho foi meu padrinho de batismo com sua esposa dona Odete como madrinha. Depois, quando tinha uns 9 anos cai de um coqueiro com trauma da coluna e foram buscar dr. Mariano Coelho em Currais Novos. Por conta dessa predestinação, num sonho, meio sonho, meio acordado, no meio da noite vi um anjo de luz, que me disse que meu lema era “Não escolhi,fui escolhido” que padre Nunes traduziu para mim: “Non elegi, electus fuit” e que transformei no meu ex-libris. Guardo esse menino de São Vicente nas minhas memórias, no rescaldo de minhas vivencias e tento ser como ele, um homem que busca entender os saberes e fazeres do povo para guardar minhas raízes culturais e enfatizá-las.

De-me fatos para esclarecimento de heranças?

Os fatos são esses. A vivencia no sertão do Seridó, com um pai que era uma figura paterna, sem grande envolvimento na nossa educação, mas com uma forte vigilancia nos caminhos que a gente trilhava. Do quinto filho em diante (eu fui o 8º)  não mais castigou os filhos. Deixava esse “serviço pesado” para nossa mãe. É que no primogênito, foi castigá-lo com o cinturão e pegou o cinto pela ponta e ao bater em Iaponan, a fivela do cinto bateu em seu supercilio, fazendo um pequeno corte que sangrou. Pai jogou o cinto fora e disse que nunca mais tiraria sangue de um filho. Nós os seguintes da fila, aproveitamos a anistia e “pintávamos o sete” com seu beneplácito. Essa herança recebeu reforços das conversas de comadre de minha mãe, que a gente escutava escondido e pelas estórias de Trancoso na calçada de Sinhá Joana, uma espécie de Scherazade sertaneja que nas nossas férias e por 30 noites, contava maravilhosas estórias de príncipes e princesas, animais fantásticos e bichos fabulosos, enchendo nossa mente com o armorial sertanejo, sempre terminando com um “entrou pela perna do pinto, saiu pela perna do pato…”

E sua infância?

A infância em São Vicente e Currais Novos, depois a adolescência em Natal foram muito ricas em conhecimentos, em brincadeiras de jogar bola de meia velha, brincar de índio com varas de cercado de galinhas como flechas, ter um curral no quintal de casa com bois de ossos, para brincar permanentemente de fazendeiro, brincar de pastoril, ser anjo na coroação de Maria na igreja de São Vicente que meu pai construiu, ser pajem da imagem peregrina de Nossa Senhora de Fátima em Currais Novos, com roupas à maneira da guarda suíça do Vaticano,  encenar peças de teatro que a gente inventava os textos, roubar mangas e frutas do quintal de Dr. Atila na rua Jundiaí ou no de  Edgar Barbosa na rua Prudente de Morais, assistir e aplaudir os brincantes se apresentando no cruzamento da Ulisses Caldas com a avenida Rio Branco no tempo de Djalma Maranhão e ficar sem folego e extasiado, vendo a nau Catarine, descendo a Rio Branco, navegando num mar de gente. “Ó tão linda”.

Quando deixou sua terra?

Nunca deixei minha terra. Ela está sempre dentro de mim, especialmente as estórias de Sinhá Joana, a ingenuidade de Maria do Santíssimo, trancada na camarinha com um candeeiro a querosene a iluminar suas pinturas que ela criava contando as estórias de cada um. Ouvindo estórias de vaqueiros e lobisomens. Aos 5/6 anos mudamos para Currais Novos e aos 10 para Natal. Meu pai não se desligou do sertão. Lá tínhamos a casa onde nasci e os sítios de herança feudal. Ainda temos. Papai que morreu jovem aos 62 anos ia semanalmente a São Vicente cuidar dos seus negócios. Trazia a feiras “grosseira”. Sacos de 60 quilos de arroz natural, feijão, farinha, açúcar bruto e carne de sol. Dos sítios trazia os cajás, os limões, os cocos secos, a goma, algum queijo. Da granja em Natal, as frutas. Tudo isso permanece vivo em minha memória e na minha vida.

Que coisas tem feito?

Um pouco de tudo. isso é o que a psiquiatria chama de hiperatividade. Pinto, escrevo e ainda exerço a Medicina. Fui durante 42 anos de atividade como Obstetra, um profissional respeitado no Brasil. Por ser Presidente da Sociedade de Especialidade no Estado e da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, participei como palestrante em mais de 300 Congressos e Jornadas, como convidado. Fiz a conferencia de abertura de alguns, o que é uma das maiores homenagens que um médico pode receber. Não é prá todo mundo. Fui membro do advisor Comitee do Congresso Mundial de Ginecologia/Obstetrícia no Rio de Janeiro. Deixei tudo por uma decepção com a especialidade. Hoje sou apenas um médico do Trabalho com Registro de Especialidade no Conselho Regional de Medicina. Os milhares de partos naturais, a luta pela humanização do parto que me colocou como contemporâneo de Leboyer com seu “Nascer sorrindo”, pois há registro que em 1974 os partos naturais que fazia obedeciam a cuidados que depois Leboyer divulgou para o mundo.  Fiz o roteiro de um documentário sobre a presença de Lampião no Estado, dirigido por Silvio Coutinho, exibido no Cine Sol da Prefeitura de Natal. Registrei na Biblioteca Nacional, devidamente autorizado pelo autor  o roteiro de ALVOROÇO, baseado num romance de Racine Santos que deverá ser rodado em Natal no próximo ano com direção de José Joffily, além de outros 10 roteiros, incluindo um sobre o dia em Tyrone Power esteve em Natal baseado num conto de Geraldo Edson e outro BOA MARIA BOA que minha empresária Rossana Ghessa está doida para estrelar. Mas… seja o que o tempo e a criatividade me concederem, enquanto dr. Alzheimer não chegar. Amém.

FONTE - NAVEGOS

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IAPERI SOARES DE ARAÚJO

  IAPERI SOARES DE ARAÚJO (SÃO VICENTE RN 21/07/1946) Desenhista, gravador, crítico de arte, escritor, contista e poeta. Formado em medi...

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